Tatiana Pronin
Do UOL, em São Paulo
-
Thinkstock
É de deixar qualquer um espantado: 90% das células presentes no nosso
corpo não são humanas. Em outras palavras, você é muito mais micróbios
do que você mesmo. Esses "invasores", embora "invisíveis", são
fundamentais para o nosso equilíbrio. Mas qualquer deslize nesse
ecossistema pode causar doenças, muitas delas graves. Por isso, não se
descuide: o perigo mora dentro de você e também fora, na superfície da
sua pele.
Especialista no tema, o pesquisador Luis Caetano Antunes, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz,
explica que os seres humanos são colonizados por mais de 35 mil espécies
diferentes de bactérias, segundo algumas estimativas. "Lembrando que
esse número não leva em conta vírus, protozoários etc", esclarece.
Considerando apenas um indivíduo, a estimativa é de mais de mil
espécies diferentes. "Já se você considerar cepas (que são indivíduos
pertencentes à mesma espécie, mas com características peculiares), esse
número sobe para mais de 7 mil", diz. Se você pudesse colocar todas elas
numa balança, os ponteiros marcariam aproximadamente 1 kg, uma vez que
as células das bactérias são bem menores que as humanas.
Essa microbiota (flora e fauna microscópica de uma região)
é formada assim que chegamos ao mundo. Antunes afirma, inclusive, que
bebês nascidos por parto normal têm micróbios diferentes daqueles que
nascem por cesariana, pois o contato com o canal vaginal da mãe funciona
como um "primeiro banho" de micro-organismos.
Intestino é albergue
Apesar de se estabilizar depois que a pessoa completa 1 ano de idade, a
população de micro-organismos está sempre em evolução, graças ao
contato com o ambiente externo. Assim, a variedade e a quantidade são
maiores em locais mais expostos, como boca, pele, olhos, estômago,
intestino, tratos respiratórios, genitais e urinários.
A parte do nosso corpo mais colonizada é de longe o intestino, com 70%
do total de bactérias, segundo o pesquisador. "Um dos motivos é que o
intestino possui uma quantidade grande de nutrientes para as bactérias.
Além disso, ainda existem secreções, células humanas mortas etc", diz
Luis Caetano Antunes.
O especialista também chama atenção para o tamanho desse órgão, que é
cheio de vilosidades (dobras, basicamente). "O intestino humano, quando
esticado, tem área equivalente a uma quadra de tênis, ou cerca de 200
metros quadrados", informa.
Médicos, cientistas e nutricionistas têm alertado para a importância da
microbiota intestinal. Não é à toa que produtos com lactobacilos se
tornaram mais comuns nas prateleiras dos supermercados.
Antunes descreve três funções principais desse exército de micróbios. A
primeira é a nutrição: "Os micro-organismos intestinais auxiliam na
degradação de nutrientes que o ser humano, sozinho, não conseguiria
degradar", diz. Além disso, eles produzem substâncias, como vitaminas,
que nós não produzimos, e afetam as células para que elas consigam
extrair mais energia da dieta.
A segunda é treinar o sistema imunológico, fazendo-o identificar o que
representa ou não uma ameaça ao nosso organismo. "Um exemplo dessa
função vem da observação de que hoje em dia as taxas de doenças
relacionadas ao sistema imune (doenças alérgicas, principalmente) está
muito mais alta, e isso tem sido associado ao uso indiscriminado de
antibióticos, aumento no número de partos por cesariana e excesso de
limpeza", comenta o pesquisador.
A terceira (e não menos importante) missão da microbiota é nos defender
contra agentes nocivos. "Sem as bactérias naturais do nosso corpo
ficamos muito mais vulneráveis aos ataques de bactérias perigosas",
garante Luis Caetano Antunes, lembrando que há uma série de infecções
que são mais comuns em pessoas com histórico de uso recente de
antibióticos. "Eles matam as bactérias inofensivas, abrindo espaço para
que outras bactérias invadam o nosso organismo e causem doenças."
Boca cheia
Um dos primeiros cientistas a observar a existência de comunidades de
bactérias em nosso corpo foi o holandês Antonie van Leeuwenhoek, que no
século 17 analisou um raspado da superfície de seus dentes e descobriu
um grande número de seres vivos minúsculos.
Uma organização também holandesa, chamada TNO, divulgou recentemente,
após um estudo, que nossa boca abriga cerca de 700 variedades diferentes
de bactérias. Os pesquisadores descobriram que um único beijo de língua
é capaz de transferir 80 milhões de bactérias de uma boca para outra. Os dados foram publicados na revista Microbiome. Algumas pessoas podem ficar enojadas, mas a verdade é que beijar pode
ser uma maneira de fortalecer o sistema imunológico, tomando por base a
lógica descrita pelo pesquisador da Fiocruz.
Pele que habito
Se os micróbios do intestino representam um exército estratégico dentro
do corpo, os que habitam nossa pele são a linha de frente. "É a
armadura que nos protege contra agentes externos", considera o médico
Jayme de Oliveira Filho, vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Dermatologia.
Assim como na selva a falta de leões pode levar ao excesso de zebras,
qualquer desequilíbrio na microbiota da pele pode levar a problemas
variados. A integridade pode ser afetada por banhos longos e quentes, e
até pelo uso excessivo de álcool em gel e sabonetes antibacterianos. "Se
você usa um produto que promete matar 99% das bactérias, ainda sobrarão
muitas, mas você pode matar aquelas que são úteis à pele", diz o
médico.
Tomar muito sol sem filtro também é uma forma de agredir a cútis. É por
isso que muita gente tem crises de herpes labial, doença provocada por
vírus, depois que volta da praia. Ou adquire manchas nos braços e nas
costas (pitiríase versicolor), provocadas por um tipo de fungo. O médico
avisa que algumas famílias são mais predispostas a certos tipos de
micro-organismos. Se a integridade da pele é afetada, você pode
desenvolver um problema que nunca havia aparecido antes. E, acredite,
pode até pegar gripe com mais facilidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário