Crise da água em São Paulo: Quanto falta para o desastre?
O que acontecerá com as torneiras de São Paulo – e o que ensina a pior crise de água da maior metrópole do país
BRUNO CALIXTO E ALINE IMERCIO
16/06/2014 07h00
- Atualizado em
16/07/2014
Kindle
Verão de 2015. As filas para pegar água se espalham por vários bairros.
Famílias carregam baldes e aguardam a chegada dos caminhões-pipa. Nos
canos e nas torneiras, nem uma gota. O rodízio no abastecimento força
lugares com grandes aglomerações, como shopping centers e faculdades, a
fechar. As chuvas abundantes da estação não vieram, as obras em
andamento tardarão a ter efeito e o desperdício continuou alto. Por
isso, São Paulo e várias cidades vizinhas, que formam a maior região
metropolitana do país, entram na mais grave crise de falta d’água da
história.
A cena não é um pesadelo distante. Trata-se de um cenário pessimista,
mas possível, para o que ocorrerá a partir de novembro. Moradores de São
Paulo sentem, hoje, o que já sofreram em anos anteriores cidadãos
castigados pela seca em Estados tão distantes quanto Rio Grande do Sul,
Minas Gerais e Pernambuco. A mistura de falta de planejamento,
administração ruim, eventos climáticos extremos e consumo excessivo
ameaça o fornecimento de água em cidades pelo Brasil todo. O episódio
ensina lições aos governos. E exige respostas para perguntas que todo
cidadão deve fazer a si mesmo e aos candidatos nas próximas eleições.
COMO A CRISE SURGIU?
A crise em São Paulo é, em parte, consequência da falta de água nas cabeceiras de rios que abastecem o Sistema Cantareira. Trata-se de um conjunto de represas responsável por abastecer 9 milhões de habitantes na Grande São Paulo. Todo esse sistema depende das chuvas do verão. Em anos normais, nos meses secos e frios, de junho a agosto, a precipitação é de menos de 150 milímetros. Isso é, normalmente, compensado no primeiro trimestre, que soma cerca de 600 milímetros. Desde o ano passado, as chuvas não vêm no volume esperado. “A maioria dos meses de 2013 já havia registrado níveis de pluviosidade abaixo da média dos últimos 30 anos”, diz o meteorologista Marcelo Shneider, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “A situação ficou pior a partir de outubro e novembro. Foi um clima anômalo em todo o Sudeste, não apenas na Cantareira.” Nos três primeiros meses de 2014, em vez dos esperados 600 milímetros, caíram menos de 300 milímetros.
A crise em São Paulo é, em parte, consequência da falta de água nas cabeceiras de rios que abastecem o Sistema Cantareira. Trata-se de um conjunto de represas responsável por abastecer 9 milhões de habitantes na Grande São Paulo. Todo esse sistema depende das chuvas do verão. Em anos normais, nos meses secos e frios, de junho a agosto, a precipitação é de menos de 150 milímetros. Isso é, normalmente, compensado no primeiro trimestre, que soma cerca de 600 milímetros. Desde o ano passado, as chuvas não vêm no volume esperado. “A maioria dos meses de 2013 já havia registrado níveis de pluviosidade abaixo da média dos últimos 30 anos”, diz o meteorologista Marcelo Shneider, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “A situação ficou pior a partir de outubro e novembro. Foi um clima anômalo em todo o Sudeste, não apenas na Cantareira.” Nos três primeiros meses de 2014, em vez dos esperados 600 milímetros, caíram menos de 300 milímetros.
O governo estadual põe a culpa na falta de chuva, mas ela não explica a
história sozinha. A estiagem deste ano apenas tornou evidente quanto o
sistema é frágil e quão escassa a água é, mesmo num país tropical. O
Sistema Cantareira existe desde a década de 1970. Ele retira água das
bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Em 2004, a Sabesp
(empresa de abastecimento da capital e de outras cidades) fez obras,
aumentou o volume do Sistema Cantareira e renovou sua autorização para
administrá-lo. O governo estadual permitiu a retirada de 36.000 litros
de água por segundo, a maior parte destinada à Grande São Paulo. Esse
volume de extração, segundo Antonio Carlos Zuffo, hidrólogo da Unicamp,
supera o recomendável para a capacidade das represas. “Quando a outorga
foi renovada, o governo subiu o volume de litros que poderia ser
retirado com a condição de que fossem feitas mais obras para aumentar a
capacidade de armazenamento das represas. E elas não ocorreram no ritmo
previsto”, afirma.
A renovação da outorga previa a revisão de estudos hidrológicos, a criação de um plano de contingência para situações emergenciais e ações para reduzir a dependência que São Paulo tem do Sistema Cantareira. Nem todas as ações planejadas foram colocadas em prática. O problema chamou a atenção do Ministério Público. A promotora Alexandra Martins acredita que o poder público não deu a devida atenção ao caso. “Detectamos uma série de problemas no cálculo da destinação de água a cada área. A população cresceu muito e o volume não foi ampliado nos últimos 30 anos”, diz. Questionada por ÉPOCA, a Sabesp respondeu que fez as obras necessárias.
LIÇÃO: não permitir que as obras parem. Para financiá-las, muitos países definem multas para quem polui ou consome em excesso. A Sabesp defende a isenção de impostos para empresas que invistam na manutenção e expansão do sistema de abastecimento. Parcerias público-privadas podem ser usadas para obras de esgoto e fornecimento de água.
A renovação da outorga previa a revisão de estudos hidrológicos, a criação de um plano de contingência para situações emergenciais e ações para reduzir a dependência que São Paulo tem do Sistema Cantareira. Nem todas as ações planejadas foram colocadas em prática. O problema chamou a atenção do Ministério Público. A promotora Alexandra Martins acredita que o poder público não deu a devida atenção ao caso. “Detectamos uma série de problemas no cálculo da destinação de água a cada área. A população cresceu muito e o volume não foi ampliado nos últimos 30 anos”, diz. Questionada por ÉPOCA, a Sabesp respondeu que fez as obras necessárias.
LIÇÃO: não permitir que as obras parem. Para financiá-las, muitos países definem multas para quem polui ou consome em excesso. A Sabesp defende a isenção de impostos para empresas que invistam na manutenção e expansão do sistema de abastecimento. Parcerias público-privadas podem ser usadas para obras de esgoto e fornecimento de água.
COMO A CRISE PODERIA SER EVITADA?
São Paulo já passou por momentos climáticos extremos antes. Em 2004, o nível do reservatório do Sistema Cantareira ficou abaixo dos 30%. A Sabesp iniciou então um racionamento de água por rodízio de bairros. Fez obras para acessar o que era, até aquele momento, uma reserva de emergência. Trata-se da água que fica abaixo do ponto de captação nos reservatórios, conhecido pelo termo “volume morto”. Nos anos seguintes, por sorte, os reservatórios voltaram a encher.
São Paulo já passou por momentos climáticos extremos antes. Em 2004, o nível do reservatório do Sistema Cantareira ficou abaixo dos 30%. A Sabesp iniciou então um racionamento de água por rodízio de bairros. Fez obras para acessar o que era, até aquele momento, uma reserva de emergência. Trata-se da água que fica abaixo do ponto de captação nos reservatórios, conhecido pelo termo “volume morto”. Nos anos seguintes, por sorte, os reservatórios voltaram a encher.
Em 2011, experimentamos o extremo oposto. Fortes chuvas atingiram a
região. As comportas dos reservatórios precisaram ser abertas para
liberar o excesso de água. “Havia um nível superior a 100% no sistema,
algo nunca antes registrado”, diz Francisco Lahóz, secretário executivo
do consórcio PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí).
LIÇÃO: não podemos mais desperdiçar chuvas
como em 2011. As represas devem ser capazes de armazenar mais água nos
anos de abundância. Os sistemas devem prever alternâncias mais extremas
de chuvas e secas. Construtoras, fábricas e grandes edifícios têm de
adotar coleta da água da chuva.
COMO ENFRENTAMOS A ESCASSEZ?
O consórcio de águas PCJ escreveu os “25 mandamentos da estiagem”, em fevereiro. O documento vem inspirando medidas de reação à seca. Duas cidades, Valinhos e Vinhedos, decretaram racionamento. As regiões de Campinas e Americana adotaram multas para os gastadores. Prefeituras têm cadastrado os caminhões-pipa. “São Paulo ainda tem outras opções de reservatórios, caso o volume morto do Cantareira seque. A região do PCJ não tem”, diz Lahóz.
O consórcio de águas PCJ escreveu os “25 mandamentos da estiagem”, em fevereiro. O documento vem inspirando medidas de reação à seca. Duas cidades, Valinhos e Vinhedos, decretaram racionamento. As regiões de Campinas e Americana adotaram multas para os gastadores. Prefeituras têm cadastrado os caminhões-pipa. “São Paulo ainda tem outras opções de reservatórios, caso o volume morto do Cantareira seque. A região do PCJ não tem”, diz Lahóz.
Em São Paulo, a Sabesp tomou quatro medidas emergenciais para evitar o
racionamento: redução de tarifa para quem reduzir em 20% o consumo;
obras que trazem águas de outras represas (do Sistema Alto Tietê e de
Guarapiranga); a instalação de 17 bombas flutuantes, que extraem água do
volume morto; e uma campanha nas rádios e TVs, para convencer a
população a economizar água. A quantidade de água retirada dos
reservatórios do Sistema Cantareira caiu de 31.000 litros de água por
segundo, antes da crise, para 23.000 litros por segundo, em maio. De
acordo com Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de
Referência em Reúso da Água, as medidas emergenciais são boas, mas
insuficientes para lidar com o problema no longo prazo.
LIÇÃO: crises de abastecimento de água
envolvem várias cidades. Elas ocorrerão. Os comitês de gestão de bacias
têm de funcionar de verdade. O “empréstimo” de água entre Estados, como o
solicitado por São Paulo ao Rio em abril, tem de ser regulamentado. O
Estado doador deve ser compensado.
O QUE ACONTECERÁ?
Os modelos de meteorologia não conseguem mostrar, com precisão, como
será o próximo verão nas nascentes do Sistema Cantareira. O mais
provável, pelos dados atuais, é que chova algo abaixo da média. Nesse
cenário, o volume de água das represas se recupera um pouco, mas não
passa dos 40%. Isso evitará a situação de emergência no próximo verão,
mas não afastará o problema para os anos seguintes. A Sabesp precisará,
portanto, manter os bônus para quem economizar água e talvez aplicar
multas a quem desperdiçar. Há também cenários otimistas. A formação de
um El Niño – um aquecimento cíclico das águas do Oceano Pacífico com
efeitos no mundo todo – poderia trazer mais chuvas para a região. Isso
já aconteceu no El Niño de 1982-1983. Mas é pequena a chance de isso se
repetir. Segundo Zuffo, da Unicamp, o Sistema Cantareira tem condições
de se recuperar da seca prolongada se o regime de chuvas normalizar nos
próximos cinco a dez anos. “Se chover, e se o consumo não for maior do
que o sistema aguenta, os reservatórios conseguem se recuperar a uma
taxa de 10% a 20% ao ano”, diz. “Se não chover, o abastecimento será
comprometido. Enfrentamos um risco grande.” E mais: no ritmo atual, em
30 anos São Paulo precisará de mais 25.000 litros de água por segundo –
praticamente um novo Sistema Cantareira.
LIÇÃO: as autoridades podem tornar o consumo
mais racional por meio de campanhas. É recomendável dar bônus e
descontos que compensem a compra de equipamentos que economizem água. A
conta d’água pode também mostrar aos perdulários que eles gastam mais
que a média das famílias da mesma área ou do mesmo tamanho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário