segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Dois londrinenses passaram dos 100 anos de idade

Silfredo Kalinowski e Esther Portela completaram 103 anos de vida. Ao longo desse tempo, passaram por duas guerras mundiais e muitos governos

Fábio Luporini
  • Fábio Luporini
  • 05/10/2015 
Não dá para resumir em algumas linhas uma vida de 103 anos. Tampouco, duas. Ao longo desse pouco mais que um centenário, muitas coisas aconteceram no Brasil e no mundo. Duas guerras mundiais, a corrida espacial, a queda do muro de Berlim, um sem-número de moedas e planos econômicos brasileiros, uma ditadura militar, a democracia. Silfredo Kalinowski e Esther Portela não se conhecem, mas têm a idade em comum: ambos completaram 103 anos em 2015. Ele, em 12 de janeiro, e ela em 1º de setembro. Os dois concordam, também, ser impossível responder à pergunta básica: qual o segredo para viver tanto?
  • Lúcida e ainda ativa, Esther Portela passa os dias lendo, escrevendo, fazendo tricô e caminhando no Zerinho  (Crédito: Fábio Luporini/JL)
    Lúcida e ainda ativa, Esther Portela passa os dias lendo, escrevendo, fazendo tricô e caminhando no Zerinho (Crédito: Fábio Luporini/JL)
“Este segredo ninguém sabe. Nem médico, nem cientista, nem padre, nem bispo”, garante Silfredo, que recebeu o JL na mesa da sala, entre papéis e documentos que estava verificando. Fez questão de anotar na agenda o dia e a hora da entrevista. Completamente lúcido, lembrou-se de tudo o que foi importante para contar à reportagem.
“Éramos em seis irmãos, quatro homens e duas mulheres. Eu era o segundo. Todos já faleceram, e eu sobrei.” Silfredo brinca que, entre os irmãos, era o mais franzino. “Meus irmãos eram caras altos, avantajados. Minhas irmãs eram mais gordinhas, e eu era o mais miúdo. Minha mãe dizia que eu não comia, que eu não tinha apetite, que eu ia morrer logo.”
Natural de Curitiba, Silfredo costumava brincar na pedreira do avô, com a carroça puxada pelos cavalos. “Meu avô tinha a maior pedreira do Paraná, hoje tem um teatro lá, a Ópera de Arame, e é a pedreira Paulo Leminski. O Leminski não tem nada a ver com a família, mas depois a prefeitura desapropriou porque tinha interesse nas pedras”, conta.
Era época em que se podia caçar passarinhos com estilingue. Na capital, Silfredo cresceu e entrou, por um concurso, para a Caixa Econômica Federal, em 1935. Mesmo ano em que nascia Elvis Presley, morria Fernando Pessoa e era retomado, depois de ser fundado em 1930 e interromper as atividades, o São Paulo Futebol Clube.
A partir de então, Silfredo atuou como contador do banco, tendo passado por outras cidades, como Ponta Grossa. Era casado com Maria de Almeida Kalinowski – ela morreu em 2003, aos 87 anos –, em 1947, quando o transferiram para Londrina. Mesmo ano em que nascia Dilma Rousseff, atual presidente do Brasil, morria Henry Ford e a Índia se tornava independente do Reino Unido. Aqui, o então contador se tornou gerente, cargo que ocupou até se aposentar, em 1968. Naquele ano, o Brasil vivia sob uma ditadura militar, sob a rigidez do Ato Institucional nº 5, que limitou ainda mais as liberdades civis.
Desde que se aposentou, passou a viajar mais – junto com a esposa, fez uma viagem por 42 dias pela Europa – e a se dedicar ainda mais aos negócios da fazenda em Bom Sucesso. Lá, um amigo o incentivou a comprar alguns alqueires e plantar café. Em poucos anos, já tinha comprado outras datas ao lado para plantar hortelã pimenta e rami.
“A primeira colheita que vendi o café, minha parte deu uma importância que correspondia a dez anos de ordenado na Caixa. Naquele tempo a gente guardava em tulhas de café para esperar um preço bom, uma parte da colheita ia para o porcenteiro, o empreiteiro, e não tinha doenças, nem adubo, nem agrotóxico.”
Quando comprou o sítio, em 1950, o mundo assistia à guerra da Coreia; o Brasil perdia para o Uruguai, aqui no Rio de Janeiro, a final da Copa do Mundo de futebol; e Getúlio Vargas voltava à presidência do país pelo voto democrático.
Se vale a pena viver? “[A vida] não está das piores, mas também não é das melhores. Se eu tivesse a sua idade...”
Esther chegou em Londrina em 1966
Nascida em Imbituva, próximo a Ponta Grossa, Esther Portela se orgulha de dizer que nunca foi alfabetizada, mas aprendeu a ler e a escrever com a Bíblia. De uma família muito católica, a jovem Esther aprendeu com a avó, que também chegou aos 100 anos, as muitas orações que hoje recita durante o dia. Lúcida e ainda ativa, ela passa os dias lendo, escrevendo, fazendo tricô e caminhando no Zerinho do Bosque Central, perto de onde mora.
Filha de pai carpinteiro e mãe lavradora, Esther tinha nove irmãos. “Morreram os nove e ficou eu”, diz, com simplicidade. Com a família, ela deixou Imbituva em 1929, para morar em Ponta Grossa. Naquele ano, nasceram Marthin Luther King (líder dos direitos civis nos EUA) e Anne Frank (vítima alemã do nazismo). Os Estados Unidos, aliás, assistiram à quebra da bolsa de Nova York e a Itália reconheceu a Santa Sé como um Estado soberano.
Depois de casada, Esther circulou com o marido, Luiz da Silveira – morto em 1979 –, que também era lavrador e administrador de fazendas. O jovem casal até tinha vindo para Londrina em 1936, mas ficou pouco tempo por aqui e logo foi trabalhar em outros lugares. Somente em 1966 fixaram residência definitivamente. Mesmo ano em que morria o cineasta Walt Disney. “Meu marido era lavrador, administrava fazendas aqui no Norte. Aí viemos para cá [da zona rural para a cidade] em 1975, depois daquela geada”, conta.
Dos oito filhos, Esther enterrou quatro. Mas, tal qual Silfredo, não vê a vida de forma negativa. Um dos momentos mais queridos na lembrança dela está a visita do João Paulo II ao Paraná, em 1980. “Eu morava em Londrina quando ele veio a Curitiba, mas cheguei bem pertinho. Eu amei o papa.” É Deus ainda a explicação de todas as coisas e a devoção maior de Esther. Qual o segredo para viver tanto, assim? “Isso eu não posso te falar. A gente não sabe. Quem sabe é Deus, né?”

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