Pedágio até para mulas
A cobrança de pedágio em território paranaense vem desde o Brasil Colonial, quando o meio de locomoção era o lombo dos muares
16/11/2013 | 09:05Diego Antonelli
A história do pedágio no Paraná é mais antiga do que muita gente imagina. A prática já era adotada pelo menos desde o século 18, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal – isso em uma época em que o meio de transporte mais usual eram as mulas. Entre os primeiros viajantes a pagarem taxas para poderem percorrer o Paraná no lombo dos muares estavam os tropeiros.
A medida foi implantada pelo reino português, que só iria autorizar a abertura da Rota dos Tropeiros na região, a partir de 1730, se tivesse lucro nas travessias. Foram estabelecidos, então, postos de registros – similares aos pedágios de hoje – ao longo do Caminho de Viamão, que ligava o Rio Grande do Sul a Sorocaba (SP). Ao menos três pontos realizavam a cobrança: no Rio Pelotas (entre SC e RS), nas margens do Rio Iguaçu (perto de Curitiba) e em Sorocaba (SP). Os valores eram cerca de 2,5 mil réis por cada mula e 2 mil por cavalo.
Integração
Indígenas foram os primeiros a percorrer travessias entre o Litoral e o Planalto curitibano
Os primeiros caminhos existentes em território paranaense foram aqueles utilizados pelos indígenas. Com o decorrer dos anos, vias de comunicação se tornaram fundamentais para ligar o Litoral ao Planalto curitibano. Três desses percursos ganharam maior destaque para a história do Paraná: Graciosa, Itupava e Arraial.
O caminho da Graciosa era uma picada no meio do mato feita ainda pelos índios que subiam a Serra do Mar para colher pinhão. Por ser um percurso muito longo, foi pouco utilizado. O Ouvidor Pardinho tentou prover melhorias no caminho em 1721. Mas foi somente em 1853, com a emancipação do Paraná, que o presidente da Província, Zacarias de Goes e Vasconcellos, ordenou um estudo para devidas melhorias no trecho, permitindo inclusive a passagem de veículos de rodas, como as carroças. A obra só foi concluída em 1872.
Como o trecho da Graciosa não era muito utilizado, o caminho do Itupava era o preferido pelas tropas que iam até o Litoral, que era mais curto. Em dois dias a tropa chegava até o destino – pelo caminho da Graciosa levava-se quatro. Estima-se que o trecho do Itupava tenha sido aberto pelos índios em 1625.
Outro canal de comunicação importante no período era o do Arraial. Em três dias, as tropas chegavam do Planalto curitibano ao Litoral. No entanto, era considerado o caminho que tinha o percurso mais difícil de todos.
Para saber mais
Confira alguns livros que trazem mais informações sobre os temas do tropeirismo e dos pedágios:
– História do Paraná, de Romário Martins
– Os Tropeiros - Diário da Marcha, de José Hamilton Ribeiro
– História do Paraná, de Ruy Wachowicz
– História e Bruacas, de Carlos Solera
2,5 mil réis era o valor cobrado pela travessia de cada mula nos postos de registro ao longo do Caminho de Viamão, que ligava o Rio Grande do Sul a Sorocaba (SP).
No livro Os Tropeiros – Diário da Marcha, o jornalista José Hamilton Ribeiro detalha que o posto fiscal no Paraná foi o primeiro a ser implantado no Sul do Brasil, por volta de 1734. A arrecadação, conforme o pesquisador Carlos Solera, chegou a ajudar a pagar os custos da reconstrução de Lisboa, em Portugal, após um terremoto em 1755.
No entanto, logo houve quem não gostasse da ideia de ter de botar a mão no bolso durante as viagens. Um dos trechos palco de discórdia entre os moradores foi a via terrestre entre Curitiba e o Litoral, denominada Cubatão (devido ao rio), que ia até Morretes. Daí para o mar o caminho era pelas águas do Nhundiaquara.
Em 1743, Manoel Muniz Barreto e Frutuoso da Costa Braga se propuseram a construir uma estrada mais segura no caminho de Cubatão. Para isso, exigiram monopólio do pedágio do trecho por oito anos e o fechamento de todas as picadas alternativas existentes. A reforma da estrada permitiria que o transporte de cargas deixasse de ser feito nas costas de índios e escravos, já que o caminho teria condições de suportar o translado das mulas.
Mas quando a construção avançava, parte dos moradores de Curitiba se organizou para lutar contra a prática. Em 1745, o governo da época tentou um meio termo: o povo poderia continuar com o transporte às costas e o pedágio só seria cobrado pelo transporte realizado no lombo dos muares. Mesmo assim, a alternativa não agradou e as obras foram interrompidas.
Cobrança no rio
Há registros, porém, de que os pedágios possam ter sido criados ainda antes do tropeirismo. Segundo o jornalista e pesquisador do tema Gilberto Larsen, por volta de 1710 entrou em vigor o contrato das canoas no rio Cubatão – atual Nhundiaquara –, em Morretes. O contrato estabelecia valores para que o navegador realizasse o transporte de cargas e pessoas. No livro História do Paraná, de Romário Martins, há valores da cobrança em 1804: para a travessia, cada pessoa deveria arcar com 60 réis e o alqueire de feijão em grão, por exemplo, custava 80 réis.
Tropeirismo ajudou a consolidar cidades
O caminho que ficou conhecido como a Rota dos Tropeiros ligava Viamão, no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em São Paulo. Era por esse trajeto que os tropeiros levavam mulas e outros produtos para a região Sudeste do Brasil. O tropeirismo começou por volta de 1730, quando foi estabelecido a travessia de Viamão, e a última tropa teria sido registrada em 1915.
“Eram levados principalmente muares. De Sorocaba, os comerciantes vendiam os animais para Minas Gerais, já que as mulas eram muito importantes para o trabalho ligado à exploração mineral e outras atividades que requeriam tração animal”, explica o professor de história do Paraná da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Wilson Maske. Na época, a exploração de ouro em Minas havia se intensificado e a população local não se dedicava tão intensamente à pecuária e à agricultura.
Os tropeiros andavam em média 15 quilômetros por dia. “Não podiam andar muito para não deixar os animais muito magros e assim diminuir o valor de venda. No meio do caminho existiam fazendas, chamadas de invernadas, que eram alugadas para os animais se alimentarem e as tropas descansarem”, relata Maske. Cidades foram surgindo em torno dessas fazendas, como Castro, Curitibanos e Lapa.
O comércio entre as vilas também era feito por moradores locais – muitos deles, antigos tropeiros ou a eles aparentados. Em média, cada cidade que se formou devido à passagem das tropas está distante o equivalente a um dia de viagem dos tropeiros.
Os caminhos que ligavam Curitiba ao Litoral também eram usados por comerciantes, mas que não faziam parte dessa fase do tropeirismo. “Eram caminhos necessários para ligar o planalto curitibano ao litoral e para a realização do comércio entre Curitiba e Paranaguá”, diz Maske.
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