Capelas de beira de estrada contam a história dos pioneiros
Hoje isoladas da população, muitas delas cercadas de soja ou milho, as capelas de beira de estrada são marcos da chegada dos desbravadores que derrubaram a mata, iniciaram as cidades e transformaram a região em um dos principais celeiros agrícolas do Brasil.
As capelas, que antes eram chamadas de igreja, eram construídas por pessoas que chegavam para ficar na nova terra, enfrentar as dificuldades da região crua e construir cidades para seus filhos e netos. Eles extraíam da própria mata derrubada o material para a edificação, sendo a obra geralmente era a primeira atividade que conseguia reunir os desbravadores em um mesmo objetivo. Mostra da religiosidade que movia o povo da primeira metade do século passado, as capelas estavam entre as primeiras construções de uma nova comunidade, junto com a primeira venda e bem antes da primeira escola.
Em Maringá, assim como em qualquer cidade da região, as capelas mais importantes foram construídas nas estradas que ligavam o polo principal da cidade, o Maringá Velho, às grandes fazendas de café.
O mundo mudou, os sitiantes e lavradores foram aos poucos procurando o conforto e as oportunidades dos centros urbanos, as vendonas das estradas fecharam e as escolinhas se acabaram depois que os cafezais foram substituídos por culturas rotativas que empregam pouca mão de obra. Comunidades fortes como Venda 200, Santo Maneta, Sapata, Guaiapó e outras, que chegaram a ter até 2 mil moradores, não existem mais, de algumas não sobraram nem ruínas. Mas as igrejas continuam lá, muitas tão vistosas e conservadas quando na época em que foram construídas, há mais de 60 anos.
“As igrejas continuam porque ninguém tem coragem de derrubar um local tido como santo”, diz João Batista Marchiori, que há mais de 70 anos mora em um sítio próximo à rodovia PR-444, onde viu nascer, ajudou a reformar e cuidou por décadas de uma capela vizinha à propriedade da família. Segundo ele, essas capelinhas contam a história do povo de um lugar, pois foi nelas que foram batizados e crismados os primeiros filhos de uma região, nelas aconteceram casamentos de pessoas que hoje já são avós e precisam ter referências para contar à sua descendência, nelas aconteceram os velórios de pessoas que chegaram para criar cidades.
“Elas precisam ser conservadas, pois são o marco do período em que o norte/noroeste do Paraná nasceu”, enfatiza o agricultor Pedro Sapata, que tem dentro de sua propriedade a capela que marcou o início da localidade de Ivatuba, que virou cidade nos anos 50. Sapata diz que a capelinha de estilo português é a sua mais viva ligação de um período em que viu sua família ajudando a criar uma cidade.
Arquitetura alsaciana no meio mata
A Capela São Bonifácio, que fica em uma área rural na região conhecida como Cidade Alta, é o primeiro marco do catolicismo no noroeste paranaense, construída em 1939, quando Maringá ainda não existia. Edificada em estilo alsaciano, a capela fazia da parte da fazenda do padre alemão Michael Emil Clemente Scherer, homem rico e culto (falava seis idiomas) que foi capelão na Primeira Guerra Mundial e fugiu para o Brasil durante a ascensão do nazismo e tornou-se pioneiro da região onde surgiu Maringá, sendo considerado o primeiro produtor de café e primeiro empregador da região.
Tombada pelo Patrimônio Histórico, a capela hoje é mais um ponto turístico do que de encontros religiosos e sua arquitetura causa admiração. A construção foi feita em madeira, com paredes duplas, por fora com as tábuas foram assentadas na horizontal e internamente na vertical. O sistema interno é travado por contraventamentos, estruturas inclinadas que conferem rigidez ao conjunto.
Parada no caminho das missões
No alto de um morro de onde se avista toda a cidade de Fênix, a capela construída pelos jesuítas em 1575 é o mais antigo marco religioso da região e lembrança dos tempos em que o Vale do Ivaí pertencia ao governo da Espanha.
A construção aconteceu em uma época em que a comunidade existente onde o Rio Corumbataí se encontra com o Ivaí chamava-se Vila Rica e foi o coração de uma província forte, que já foi destruída duas vezes e sempre renasceu, como a Fênix, pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das cinzas.
Muito da história da igreja se perdeu no tempo, mas como a fênix da mitologia e a própria cidade, também ela renasceu ao ser restaurada duas vezes nos mesmos moldes da original.
Sem atividade religiosa, a igreja é tida como um dos mais importantes itens do acervo histórico do interior do Paraná e registro praticamente único de um período em que a região era caminho natural para quem viajava para o Sul do País, o lendário Caminho de Peabiru – naquele trecho chamado de Sagrado Caminho São Thomé -, usado por bandeirantes, sacerdotes jesuítas, índios e os primeiros brasileiros.
Capela que deu origem a uma cidade
A Capela de Nossa Senhora de Fátima, às margens da PR-551, é portuguesa, com certeza. Ela foi construída pela família Sapata, vinda de Portugal, a imagem da santa veio do Santuário de Fátima, que fica em Portugal, e até os sobreiros, avinheiras e outras plantas de seu pátio vieram de além-mar.
Mas, foi uma capela para brasileiros de todos os cantos do País e estrangeiros que ajudaram a colonizar o norte/noroeste do Paraná nos anos 40 e 50. Foi em torno dela que nasceu que viveram os primeiros moradores de Ivatuba. “Antes as pessoas se reuniam para rezar nos armazéns, nos terreirões das fazendas, aí meu pai e minha mãe – José Pereira Sapata e Maria Rodrigues – decidiram construir a igreja”, lembra o filho do casal, Pedro, que aos 66 anos ainda vive próximo à igreja.
“Quando a cafeicultura fraquejou, as centenas de famílias que trabalhavam nas fazendas foram embora, Ivatuba cresceu e nossa comunidade desapareceu”, diz Pedro.
A Capela da Sapata – é assim que ela é chamada – já recebeu até a visita o arcebispo dom Anuar Battisti, mas há quatro anos não é aberta para uma missa.
A capela que abençoa o Pirapó
A Capela de São José é possivelmente a mais conhecida do norte/noroeste do Paraná. Com sua torre e janelas arredondadas, a igreja existe desde que nasceram cidades como Maringá, Mandaguari, Apucarana e fica em uma das margens da PR-444, caminho obrigatório para quem viaja entre Maringá e Londrina.
O pioneiro João Batista Marchiori, de 77 anos, lembra que no final dos anos 40 a região era dominada pelos cafezais e a capela foi construída porque tanto para ir a Arapongas quanto a Mandaguari ficava longe para as famílias que trabalhavam nas fazendas. “As estradas eram ruins e em tempos de chuva era impossível ir à cidade”, lembra.
A construção foi coordenada por um alemão que construiu a primeira barragem do Rio Pirapó (que passa aos fundos da igreja) e os próprios moradores deram a madeira e a mão de obra. As primeiras missas eram celebradas pelo lendário Padre Bernardo, que na época morava em Arapongas e ia até a capela a cavalo.
A capela é muito procurada para fotografias, principalmente para álbuns de casamento e já serviu de modelo para a construção de capelas em fazendas em várias cidades paranaenses.
Lembrança de um Pinguim exuberante
As famílias vindas de diferentes regiões brasileiras que transformaram as matas da Gleba Pinguim em cafezais, nos anos 40, se reuniam nas casas para rezar e decidiram construir uma capela de madeira, que foi feita por meio de mutirões nos finais de semana e ficou pronta em 1950 e em volta dela nasceu uma pequena comunidade, com venda, escola e campo de futebol, onde os pioneiros se reuniam nos finais de semana. A imagem de Cristo e o crucifixo que há mais de 60 anos estão no alta foram trazidos de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, pelo pioneiro João Nascimento.
A família Borghi, que está na Gleba Pinguim desde 1946, teve grande importância na história da igreja, participando desde a limpeza do terreno para a construção. “Quando todas propriedades trabalhavam com café, era muita gente morando no Pinguim e a movimentação em torno da igreja era grande”, conta Clóvis Borghi, que aos 70 anos mora há 60 próximo à capela.
Hoje, com a substituição dos cafezais pela soja e dos trabalhadores pelas máquinas, acabaram-se as vendas, o campo e a escola, mas a capela, reconstruída em alvenaria, continua realizando missas e terços, além de ser o palco de uma tradicional procissão na Sexta-feira Santa, que junta fieis de várias comunidades.
Só a capela restou na Venda 200
Com 67 anos de idade, todos eles vividos na comunidade rural por muitos anos conhecida como Venda 200, João Poletto ainda se lembra quando, aos domingos, a família vestia a melhor roupa e embarcava no caminhão do pai, Dante Poletto, um um Ford F-6, para ir à missa onde hoje é o Maringá Velho. Era uma viagem pelo meio da mata, impossível de ser feita em dias de barro.
Todos os moradores da Venda 200 tinham que fazer longas viagens se quisessem assistir missa, batizar ou crismar filho, fazer casamento, por isso, nos anos 50 decidiram construir sua própria igreja.
A Paróquia São Sebastião foi projetada pelo engenheiro Romeu Egoroff e construída com pedras cedidas pela pedreira que existia nas proximidades. A mão de obra foi dos moradores da região.
Cerca de 60 anos depois, a escola da Venda 200 não está mais lá, a venda que deu nome à região também virou ruínas, o time de futebol se acabou e a maioria dos moradores morreu e seus filhos mudaram-se para a cidade. Mas, a igreja continua firme, bem cuidada, com a aparência de recém-construída, com missas todos os domingos e quartas-feiras.
Marilá some, mas igreja fica na história
No final dos anos 40, uma das comunidades rurais de Maringá mais desenvolvida era a de Marilá, às margens da estrada de ferro, cortada pelo Ribeirão Bandeirante, nascida em torno da Capela Nossa Senhora das Graças, primeiro templo católico do norte/noroeste paranaense construído em alvenaria.
A comunidade tinha lojas, farmácias e até cadeia, mas devido a problema de registro das terras, desativação da estrada de ferro e construção da PR-323 passando por fora da comunidade, Marilá foi minguando ao passo que Paiçandu cresceu, virou distrito e, depois, município.
Hoje a igreja, que já foi alvo de uma pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está sendo tombada pelo patrimônio histórico, é o que restou do que foi uma localidade próspera, solitária em meio a uma plantação de soja e só é aberta quando a matriz de Paiçandu realiza sua tradicional caminhada penitencial.
Há dois anos a igreja foi totalmente restaurada e os moradores das fazendas próximas querem que ela volte a ter missas, terços e celebrações.
Capela perde a referência sem os pioneiros
A Capela de Nossa Senhora Aparecida, no início da Estrada Guaiapó, já foi um dos maiores templos religiosos de Maringá e quando foi construída era maior do que a Catedral da cidade. O Guaiapó foi uma das primeiras regiões rurais habitadas por Maringá, mas hoje foi alcançada pelo perímetro urbano, está sendo cercado por loteamentos e o pouco que existia da antiga comunidade se resume a algumas casas.
“A capela continua bem cuidada e serve para muitas atividades, inclusive com missas todos os sábados, mas perdeu aquele clima de pioneirismo depois que os moradores antigos foram embora para a cidade”, diz Terezinha Almeida, ministra da Eucaristia e catequista, além de vizinha da capela. Ela e outros fiéis temem que, com a chegada do perímetro urbano a igreja não resista à especulação imobiliária e acabe dando lugar a outra construção. “É importante conservá-la por tratar-se de uma igreja, mas também pela importância histórica que ela tem”, diz a ministra, lembrando que por ali passaram pessoas que hoje fazem parte da história da cidade e foi a capela que atendeu às necessidades espirituais dos pioneiros.