Prejuízo causado por ferrovia parada é 'incalculável', afirma procurador
Do G1 Presidente Prudente
Um dos impactos, segundo o MPF, se dá no preço mais alto dos combustíveis.
Situação é alvo de ações protocoladas na Justiça Federal.
Stephanie Fonseca
Do G1 Presidente Prudente
Ferrovia na região de Presidente Prudente está desativada (Foto: Stephanie Fonseca/G1)
Há 100 anos, o Oeste Paulista conheceu a Estrada de Ferro Sorocabana. Em 1916, o tronco chegou ao km 648, em Rancharia, cuja data de inauguração da estação ferroviária foi em 10 de setembro, conforme arquivos do acervo do Museu Municipal Manir Haddad, a que o G1 teve acesso. O município também contou com a instalação da Estação Bartira, na área rural. A chegada da malha ferroviária na região possibilitou o desenvolvimento urbano e econômico das cidades contempladas, além de recordações. Mas a história também foi marcada pela paralisação do transporte, que foi parar na Justiça com uma ação do Ministério Público Federal (MPF). O G1 reuniu um pouco da memória ferroviária do Oeste Paulista e a luta pela sua reativação em uma série de reportagens especiais.
Maio de 2001. Foi quando o Ministério Público Federal, em Presidente Prudente, entrou na luta para a reativação dos trilhos da região. Na época, o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana entrou com uma representação junto ao MPF, em que alegava que a concessionária retirava os trilhos entre Presidente Prudente e Álvares Machado sem a autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), conforme lembrou o procurador da República Luís Roberto Gomes em entrevista ao G1.
Os trilhos que seriam colocados estavam “sucateados”. “Bastava ir ao local e retirar pedaços de trilhos com as mãos. Eles estavam desmanchando. Então, o sindicato fez essa representação no Ministério Público Federal e iniciou-se toda essa luta. Não só do Ministério Público, mas também de outras entidades parceiras”, disse ao G1. “O Ministério Público acionou o Ministério dos Transportes e a Secretaria de Transportes Terrestres, até que os trilhos que tinham sido retirados foram recolocados”.
Ação judicial teve início após representação do
sindicato dos ferroviários em Presidente Prudente
(Foto: Stephanie Fonseca/G1)
Como resultado dessa primeira mobilização, em 23 de setembro de 2004, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado com a concessionária, em que a empresa se comprometia a realizar a manutenção adequada na linha férrea. “Esse acordo foi descumprido. Então, isso motivou o ajuizamento de uma ação de execução do TAC”, explicou Gomes.
Em entrevista ao G1, o procurador da República salientou que “o primeiro acordo a concessionária descumpriu e o segundo, firmado em 2011, ela descumpriu também”. “Assim, o Ministério Público Federal entrou com uma ação de execução do segundo acordo, que é o judicial, proposta em meados de abril de 2015. Essa é uma ação que objetiva a cobrança de uma multa pelo descumprimento do acordo judicial e a realização das obrigações de fazer que tinham sido assumidas pela concessionária”, explicou. As principais obrigações eram a manutenção do trecho, a prestação de serviço adequada e a retomada do transporte ferroviário.
Especificamente no dia 30 de abril de 2015, houve uma sentença, na qual foi determinado que a empresa pagasse uma multa de R$ 40 milhões, aproximadamente, pelo descumprimento do acordo. A concessionária recorreu e, posteriormente, ajuizou uma ação declaratória contra o MPF, pedindo a suspensão da execução.
“O foco principal da concessionária é que não existe demanda, que o trecho ferroviário é muito caro, a operação dele é muito cara, que a análise de custo-benefício é desfavorável para os clientes e que não haveria demanda suficiente para justificar a prestação de serviço. Do lado contrário, o Ministério Público Federal sustenta que há, sim, demanda, comprovada documentalmente. Várias empresas se apresentaram dizendo o quanto tinha de carga disponível para o transporte. Então, toda essa questão está sub judice, ou seja, está com a Justiça Federal”, declarou ao G1 o procurador da República.
Ferrovia na região de Presidente Prudente está desativada (Foto: Stephanie Fonseca/G1)
Dever
Ao lembrar a longa história que rodeia as estradas de ferro do Oeste Paulista, Gomes relatou ao G1 que, para a desativação de qualquer trecho, é preciso uma série de providências a serem tomadas. “A legislação prevê que isso deve ser feito junto ao órgão responsável. A comunidade deve ser ouvida, as prefeituras devem ser ouvidas. Há todo um processo legalmente previsto para desativar um trecho de ferrovia”, esclareceu. “Foi uma desativação [na região], de fato, e é o que está ocorrendo hoje, é uma desativação sem qualquer autorização da ANTT”, acrescentou.
“É importante ressaltar que [o transporte ferroviário] é um serviço público, um serviço da União, e, se há demanda, se há interessados, então, cabe à concessionária prestar esse serviço. É dever dela. Isso está no contrato de concessão, na legislação, está no acordo judicial que ela firmou e não cumpriu. Então, é isso que o Ministério Público quer, que ela cumpra o contrato de concessão, que ela cumpra a lei, que ela cumpra o acordo judicial e volte a prestar o serviço de transporte ferroviário, porque ele é essencial para o desenvolvimento econômico da região. Por isso, a razão de todo esse empenho para que seja retomada a prestação desse serviço”, frisou o procurador da República ao G1.
A falta do transporte ferroviário é um dos itens que podem elevar o preço do combustível aqui na região"
Luís Roberto Gomes,
procurador da República
Prejuízo
Ainda afirmou Gomes que Presidente Epitácio e Presidente Prudente, além de toda a região, são prejudicados pela falta do transporte ferroviário. “Há empresas interessadas, há demanda suficiente, todavia, a concessionária resiste em prestar serviço. Prefere fazer investimentos em outras localidades. Em trechos e segmentos férreos que são mais lucrativos, esquecendo de que se trata de um serviço público. Então, ela tem a obrigação de prestar serviço. Seja mais ou menos lucrativo”, declarou.
Ao G1, o procurador reconheceu que o trecho pode não ser tão lucrativo como outros e que talvez precise de um grande investimento, porém, “são questões técnicas que não a desobrigam quanto à prestação de serviços”. “Se não interessa o trecho, ela que o devolva à União e que se faça uma nova licitação para que uma empresa realmente interessada possa prestar o serviço, porque o trecho é passível de lucro”, afirmou.
Sem quantificar o prejuízo, o procurador da República informou que ele é “significativo” e que não se estende apenas à região, mas também para o Estado de São Paulo. “É um trecho férreo importante, que sempre teve a prestação de serviço ferroviário e sempre teve demanda. Como que décadas atrás havia demanda e, agora, com a evolução da sociedade, evolução socioeconômica da região, de repente, sumiu a demanda?”, questionou.
Interesses próprios
A demanda da região aumentou, segundo declarou Gomes ao G1. Porém, “é uma demanda reprimida, uma demanda esquecida”. “A concessionária não atende porque não interessa. Porque é uma empresa privada que tem suas próprias finalidades e atende as suas finalidades, evidentemente, econômicas. Ela olha mais para o campo do lucro, do que para o campo da prestação de um serviço público e é, por isso, que não se reativa o transporte ferroviário”, comentou.
“Porque, sendo uma empresa privada, prestando serviço público e sendo uma empresa privada que só pensa nela e nos seus negócios, e não no serviço, e não na satisfação do direito dos usuários, ela prefere satisfazer os seus interesses econômicos”, argumentou. “Ela decidiu: 'Quero satisfazer o meu interesse econômico. Está sobre tudo'. Por isso que o Ministério Público foi obrigado a exigir a adequada prestação de serviço em defesa dos interesses dos usuários do transporte ferroviário da região, porque o prejuízo é imenso. É incalculável”, ressaltou ao G1 o procurador da República.
Ação do Ministério Público Federal está em andamento desde 2001 (Foto: Stephanie Fonseca/G1)
Reflexos nos preços
De Presidente Epitácio partem cargas como milho, farelo e grãos em geral. Além disso, existem importantes cargas de retorno, que voltam de Ourinhos para Presidente Prudente. Uma que voltava, inclusive, era o combustível, segundo informou Gomes.
“O combustível da nossa região é um dos mais caros. Por quê? Porque agora vem de Londrina [PR] via caminhão. Antes vinha via ferrovia e é muito mais barato o transporte ferroviário. Isso tudo é repassado ao consumidor”, disse ao G1 o procurador da República. “Então, as cargas de retorno são muito importantes: combustível, cimento, fertilizantes. O trem vai com grãos, farelos, etc., para a região de Campinas, Sorocaba, São Paulo, vai para exportação e daí volta e traz esse tipo de carga: combustível, cimento, fertilizantes, entre outros”, explicou.
Se houver uma comparação entre o preço do combustível na região, em Presidente Prudente, com o de Londrina (PR), por exemplo, é um componente que deve entrar no custo. “O fato de o combustível estar vindo hoje por caminhão deixa o custo maior do que se viesse por via férrea. A falta do transporte ferroviário é um dos itens que podem elevar o preço do combustível aqui na região”, declarou.
Ferrovia na região de Presidente Prudente está
desativada (Foto: Stephanie Fonseca/G1)
Atestado
Diversas diligências foram realizadas na via férrea pelo MPF, além de solicitações de que haja a realização de vistorias pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, órgão responsável por fiscalizar a prestação de serviços do transporte férreo. “Ela que verifica as condições da via férrea. Se está havendo a manutenção correta ou se não está, as questões de segurança. Ela que vê tudo isso”, explicou.
“Foram feitos vários relatórios e, inclusive, a ANTT atesta o descumprimento do contrato de concessão, já aplicou diversas multas, mas, a concessionária, mesmo sendo feitos dois acordos, mesmo devendo multa milionária, mesmo sendo acionada, notificada e multada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, ainda assim, prefere resistir e não prestar o serviço de transporte ferroviário. Porque procura atender o seu interesse econômico como empresa privada, pensando mais nela do que nos usuários de um serviço que é público, que é da União Federal”, argumentou ao G1.
Privatização falha
A região prestava serviços ferroviários. “Era a Rede Ferroviária Federal que prestava o serviço. Essas cargas todas eram transportadas. Vinha carga de retorno, combustível, cimento. A ferrovia tinha um intenso movimento”, comentou Gomes. No entanto, o procurador da República apontou que, “a partir do momento em que a concessionária assumiu, nos primeiros meses e anos, ela ainda prestou o serviço. Depois, foi diminuindo, diminuindo, gradativamente, até cessar por completo”.
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“Então, não dá para aceitar a tese de inexistência de demanda, porque se, 15 e 20 anos atrás havia demanda, essa demanda simplesmente evaporou? Com a demanda, pelos serviços, com o desenvolvimento social e socioeconômico da região, aumento de produção, novas empresas vieram para a região e a demanda simplesmente sumiu? Não dá para aceitar essa argumentação”, questionou novamente o procurador da República.
Gomes, ainda em entrevista ao G1, comentou que “poderia dizer que o processo de privatização foi um processo muito falho”. “O contrato de concessão, extremamente fraco, faltam instrumentos legais, realmente, para se exigir, punir mais exemplarmente a concessionária. A Agência de Transportes Terrestres é leniente, ela não age como deveria. Precisaríamos de uma agência mais forte, mais determinada, que punisse realmente, que entendesse, que zelasse pela prestação de serviços adequada. Nós não temos uma agência que cumpra adequadamente suas funções”, apontou.
O procurador da República Luís Roberto Gomes atua na região de Presidente Prudente (Foto: Reprodução/TV Fronteira)
Rumo ALL
Ao G1, a Rumo ALL salientou que “vem cumprindo o seu papel de concessionária ferroviária de cargas e se mantém à disposição dos interessados em firmar contratos de transporte de longo prazo”. Para isso, seminários semestrais são realizados em Presidente Prudente, “nos quais é explicado o funcionamento da ferrovia e oferecido o transporte buscando a captação de cargas para contratos de longo prazo e analisando possíveis origens, destinos, fluxos e volumes de transporte voltados à contratação”.
Ainda conforme declarou a Rumo ALL ao G1, por meio de nota, “até o momento, não foi recebida nenhuma proposta solidamente viável em contratar a longo prazo o transporte de mercadorias, que é um requisito fundamental para a subsistência do transporte ferroviário de cargas”.
“No único caso de demanda de carga que poderia, em tese, ser viável operacionalmente, a Rumo fez uma proposta comercial, mas não houve retorno dos possíveis interessados. No último seminário, realizado em novembro, foi acordado entre os presentes que serão realizadas visitas da equipe comercial da empresa a cada um dos interessados no transporte ferroviário”, explicou ao G1 a concessionária.
A Rumo ainda colocou que “a concessionária pactuou com a ANTT em 2014, através da resolução ANTT nº 4.521, a inexistência de metas a serem cumpridas para este trecho, por não existir contratos vigentes com clientes. Portanto, não cabe aplicação de penalidades”.
ANTT
Conforme colocou a ANTT ao G1, por meio de nota, a interrupção da prestação do transporte ferroviário de cargas no trecho entre Presidente Epitácio e Rubião Júnior “não foi autorizada” pela agência, que afirmou manter a fiscalização regular nessa linha.
Segundo a agência, foram instaurados diversos processos administrativos, com vistas a apurar “as supostas irregularidades constatadas no segmento ferroviário”. Para a ANTT, conforme apontou em nota ao G1, “o trecho é operacional e encontra-se ativo, ainda que as deficiências apontadas ao longo das últimas inspeções requeiram restrição de velocidade em vários pontos”.
A última inspeção na malha do Oeste Paulista, segundo a ANTT informou ao G1, foi entre 23 e 27 de novembro de 2015, realizada pela Coordenação de Fiscalização Ferroviária de São Paulo (COFER – URSP). Na ocasião, foram emitidas cinco notificações de infração, “devido às irregularidades constatadas”, de acordo com a agência.
Ferrovia na região de Presidente Prudente está desativada (Foto: Stephanie Fonseca/G1)
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