sábado, 4 de junho de 2016

ROBERTO, ERASMO & CIA TROUXERAM ALEGRIA AO POVO NOS ANOS 60/70

FOLHA DE LONDRINA.


Os inventores da juventude

ÀS vésperas do show de Roberto Carlos em Londrina e do aniversário de Erasmo Carlos e Wanderléa, nada como relembrar a Jovem Guarda

Wanderléa, Roberto e Erasmo Carlos: furo na programação da Record nos anos 60 deflagrou a Jovem Guarda

Erasmo Carlos e Wanderléa, mais um terceiro integrante chegado à TV Record de nome Roberto Carlos, inventaram a juventude. Antes, ela não existia. Ao menos não nos moldes daquela que conhecemos. Vinte anos antes, em 1945, ser moderno era sintonizar a Rádio Nacional para ouvir Mario Reis e Luiz Gonzaga. Uma década depois, em 55, estar atualizado era acompanhar as apresentações de Aracy de Almeida e Dick Farney na boate Golden Room do Copacabana Palace. Mesmo com a erupção do vulcão Elvis no mundo, cantando "That's All Right" em 1954, o Brasil retardava o descobrimento da adolescência. O grito dado sem nenhuma intenção de ser grito começou a ser ensaiado por Celly Campello, em 1959, antes dos Beatles, com sua versão de "Stupid Cupid". Só cócegas comparado ao que poderia acontecer. 

A juventude foi um carro que pegou no tranco em plena Rua da Consolação. Com a proibição das transmissões de jogo do Campeonato Paulista, a Record perdeu seu filé mignon nas tardes de domingo. Os diretores da emissora de Paulo Machado de Carvalho, então, perguntavam o que fazer com tamanho espaço nobre. Até que se pensasse em algo melhor para fechar a janela, decidiram investir em uma ideia de muitas incertezas e nenhuma originalidade. Elis Regina e Jair Rodrigues haviam acabado de erguer o 'Fino da Bossa' com carisma. Cyro Monteiro e Elizeth Cardoso, para um público mais velho, iam bem no recém criado "Bossaudade". Havia ainda o princípio de uma terceira via pop, que não era nem a MPB engajada nem samba-canção dolorido. Manifestava uma leveza descompromissada da politização rígida e das harmonias deslumbrantes. Um risco no tempo em que uma das maiores audiências da TV brasileira era conquistada por um programa que levava para o palco Hermeto Pascoal e João Gilberto. Quem suportaria as guitarras do iê-iê-iê? 

Erasmo Carlos, direto da zona norte do Rio, já alimentava seu melhor personagem com o sucesso do compacto "Fama de Mau". Gentil e doce, não era mau coisa nenhuma, a não ser nas tardes em que resolvia roubar um carro ou outro com os amigos. Erasmo foi convidado por Paulinho Machado de Carvalho, filho do Marechal da Vitória, e seguiu para uma reunião em São Paulo com uma carta escondida na manga. Aceitaria todas as condições propostas se um amigo seu - mais baixo, mais magro, mais sorridente e ligeiramente manco - pudesse vir junto. Paulinho bocejou. Já conhecia aquele nome, Roberto Carlos, dos corredores da Record. "Era um chato de galocha", disse a esse jornalista em entrevista ao Jornal da Tarde. "Ele vivia pelos corredores pedindo para aparecer nos programas da Record". Erasmo foi além. Não só pediu que Roberto ficasse como exigiu à direção que o amigo ganhasse o mesmo que ele. Roberto ficou. 

Ainda que à sua revelia, Roberto tem a história contada e recontada em mil palavras. Apenas um homem, Paulo Cesar de Araújo, fará isso por três vezes quando lançar, até o final deste ano, uma nova biografia do cantor. E Erasmo e Wanderléa, aqueles sem os quais Roberto não existiria? Ou, ao menos, não seria o mesmo. Erasmo Tremendão vai fazer 75 anos amanhã, 5 de junho, mesmo dia em que Wanderléa Ternurinha chega aos 70. Assim que a Jovem Guarda chegou ao fim, em 1968, com Roberto virando a chave e se tornando cantor adulto no Festival Internacional de San Remo, na Itália, Erasmo e Wanderléa ficaram em um Titanic prestes a afundar. Se jogaram no mar e perderam-se por um tempo até que se refizeram da deriva e retornaram no triunfo, abrindo os fenomenais anos 70. 

A maior injustiça é chamá-los de alienados. Sim, eles não liam jornais e não sabiam exatamente quem era o general da vez que mandava subversivos para os porões, mas a revolução que fizeram é tão importante quanto o "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores" de Vandré ou o "Cálice" de Chico Buarque. Erasmo e Wanderléa promoveram a primeira revolta, o primeiro embate, as primeiras tomadas de posição que um adolescente poderia adotar nos anos 60. Antes das ruas, a batalha deveria ser encampada, muitas vezes, dentro do próprio lar. Se as mulheres falam de empoderamento em 2016, devem à Wanderléa. Se os garotos punks dos anos 80 deram dedadas no rosto dos policiais, devem a Erasmo Carlos. A própria Wanderléa começou tudo ao aparecer em casa, em frente ao pai conservador, usando uma minissaia desafiadora aos bons costumes da família brasileira de 1965. Caetano Veloso já disse o quanto a formação da identidade musical brasileira deve a "Quero que Va Tudo Pro Inferno". 

Erasmo chega aos 75 com novidades. Vai ganhar um disco de retrospectiva, "Erasmo 75", e tem sua história narrada em causos no livro "Minha Fama de Mau" pronta para virar filme, com o ator Chay Suede no papel de Tremendão. Wanderléa tem pronto um disco em que interpreta apenas músicas da compositora Suely Costa e, mais aguardado, conta com uma biografia em produção, ainda sem data de lançamento, conduzida pelas próprias memórias e pelo rigor jornalístico do repórter do"Estadão", Renato Vieira. É muito e sempre será pouco. Duas figuras de um dos momentos mais ricos da história do País, eles ainda precisam ser revistos e ampliados por uma história muitas vezes ingrata aos primeiros artistas da música pop brasileira, os inventores da juventude.
Julio Maria
Agência Estado

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