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apelação cível nº 49.809-1 da comarca de rolândia.
apelantes : Nikolaus schauff e outros.
ADVOGADO: JOSÉ CARLOS FARINA
apelados 1 : Roseli luzia vanzella rocha e outros.
ADV. LUIZ ANTONIO SARTORI
apelado 2: município de rolândia.
apelados 3: Ismael ferreira martins e outros.
ADV.: OTTO FEUCHT
apelado 4: Leonardo casado.
ADV.: ALVARO PESENTI
relator : juiz de alçada conv. Munir Karam
Ação popular meio ambiente lei municipal que permitia a unificação de lotes que constituíam Área verde urbana pelo código de zoneamento, para transformá-la em zona residencial, com a derrubada de espécies arbóreas raras violação a normas constitucionais, quer quanto ao processo legislativo, quer quanto À tutela do meio ambiente ação improcedente apelo provido inexistência de cerceamento probatório agravo retido desprovido. I - As normas constitucionais protectivas do meio ambiente refletem a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar e de priorizar todas as formas de tutela que o ordenamento jurídico possa oferecer. II As normas inconstitucionais, apesar de entrarem no sistema, são nulas no sentido de que seus efeitos, no caso concreto, devem ser desconsiderados desde o instante em que iniciaram a sua vigência, sendo-lhes a aptidão para produzir efeitos negada ex tunc.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os membros integrantes da 2ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo retido e em dar provimento ao apelo, para declarar ineficaz as normas da Lei Municipal nº 2.384/94, em face do caso concreto, por violarem a Constituição Federal, quer quanto ao processo legislativo, quer quanto às tutelas do meio ambiente. Em relação à sucumbência, os apelados responderão pelas custas processuais e honorários de advogado dos autores populares, fixados em R$ 2.000,00, atendendo o grau de zelo profissional e o labor que a causa exigiu.
1. NIKOLAUS SCHAUFF, MILTON LUIZ DOS SANTOS e HENRIQUE GUARIENTE ajuizaram ação popular em desfavor do MUNICÍPIO DE ROLÂNDIA e da CÂMARA MUNICIPAL DE ROLÂNDIA pretendendo a declaração de nulidade da Lei Municipal nº 2.384/94, que autorizou a unificação e subdivisão dos lotes urbanos nºs 99-A7 e 99 A (remanescente), bem como alterou seu enquadramento de Zona Especial para Zona Residencial 1, dentro da Planta Geral. Alegam que a mudança ocasiona prejuízos ao patrimônio histórico, cultural e ambiental do Município, pois ali existem arbóreas nativas que devem ser preservadas pelo seu valor histórico e ambiental à comunidade rolandense.
A inicial foi emendada, para citação dos proprietários da área, como litisconsortes passivos necessários.
A medida foi concedida liminarmente (fls. 46).
Após rejeitar as preliminares, o ilustre Dr. Juiz a quo julgou a ação improcedente, ao fundamento de que a Lei Municipal nº 2.384/94 atendeu ao processo legislativo; que não houve qualquer lesividade ao patrimônio público, seja cultural, histórico ou ambiental; que constatou em inspeção judicial que preditos imóveis nada têm de extraordinário capaz de justificar a limitação de uso; que a casa ali existente é de estilo comum; que a arborização é constituída de eucaliptos e de outras árvores não ameaçadas de extinção; que há apenas espécies vegetativas de pouca idade e dimensão, sem interesse preservativo ou ecológico; que existe apenas interesse de proprietários vizinhos, donos de chácaras de alto padrão, que não querem que a área se transforme em bairro popular; que, de fato, ali já existe uma zona residencial, sendo que o laudo elaborado pelo NEMA (Núcleo de Estudos do Meio Ambiente da UEL) não está conforme a realidade.
Inconformados com o decisum, dele apelaram os autores populares, fazendo prévia referência ao agravo retido (fls. 272/274), entendendo necessária instrução probatória. No mérito, reportam-se ao laudo do NEMA, firmado por renomados botânicos, pelo qual há no local uma riqueza de biodiversidade, com 34 espécies vegetais naturais, localizadas em área urbana, o que torna o seu valor histórico e ambiental incalculável. Sustentam ser gratuita a afirmação de que a área já se transformou em zona residencial. Acusam, ainda, a sentença de omissão quanto à doutrina e legislação citadas e denunciam atentado feito pelas rés ROSELI LUZIA VANZELLA ROCHA, ROSÂNGELA VANZELLA FERNANDES e JANETE FERNANDES RIBAS, que teriam promovido a derrubada da totalidade das árvores existentes em seu imóvel. Findam pedindo seja decretada a nulidade do processo ou a procedência do pedido.
O recurso foi contraminutado e a digna Promotoria de Justiça opinou pela reforma integral da sentença.
Os autos vieram a este Tribunal, onde a Douta PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA deu parecer pelo provimento do agravo retido, entendendo necessária a instrução, em face dos laudos divergentes do NEMA e do IAP. Se assim não for, manifesta-se pelo provimento do apelo.
2. Os ora apelantes argüem a nulidade do processo, por cerceamento probatório, em face do julgamento antecipado da lide.
Em verdade, há dois laudos técnicos nos autos, fornecidos por conceituadas instituições, além da inspeção judicial, instruída com variada mostra fotográfica. São elementos hábeis a formar a convicção do julgador, que dispensam outras provas.
Estando assim instruído o feito, desnecessária se faz a instrução, razão pela qual nego provimento ao agravo retido.
3. No mérito, o ilustre Dr. Juiz a quo embasou sua decisão, no fato de que a Lei Municipal nº 2.384/94, que autorizou a unificação dos lotes, que formavam a Zona especial, com a área total de m2, para que passassem a incorporar a Zona residencial (fls. 36), obedeceu todos os trâmites do processo legislativo, desde o projeto até a sanção final, sem qualquer vício de formação.
A Zona especial, prevista no Código de Zoneamento do Município de Rolândia, é preservada como área verde, onde apenas se permitem a manutenção de parques, bosques, áreas de lazer e recreação.
No caso, nos lotes unificados, foram catalogados pelos botânicos do NEMA 34 espécies vegetais, sendo quatro espécies de cipó, uma de trepadeira e vinte e nove espécies arbóreas, distribuídas todas em 30 gêneros, onde se identificam 23 famílias. Havia ainda muitas plantas em regeneração, com a possibilidade de cobertura do solo a curto prazo.
Os senhores peritos concluíram que a presença destas espécies nativas demonstra uma concentração relativamente alta de espécies vegetais e, considerando que se localiza em área urbana, o seu valor histórico e ambiental é incalculável (fls. 22).
A vistoria realizada pelo INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ IAP, embora apontada como divergente, não deixa de consignar a existência de 36 árvores exóticas e nativas. Consta no relatório que nove árvores nativas apresentam valor ecológico significativo, por sua localização, beleza e condições de porta-sementes para perpetuação da espécie, podendo ser declaradas imunes de corte, nos termos do art. 7º , da Lei nº 4.771/65 (fls. 30/31).
Estas espécies raras estão inseridas em área maior de concentração, a formar um quadrilátero verde, como se pode deparar das fotos que instruem a inspeção judicial (fls. 291/307).
Cabia à Municipalidade elaborar um projeto, não apenas para preservar, mas para ampliar a concentração de ditas espécies arbóreas, aproveitando a dádiva da natureza em pleno centro urbano.
Sabe-se do processo de desmatamento que sofreu toda a região norte do Paraná. O clima se tornou árido, a temperatura se elevou e a população sofre com condições ambientais semi-desérticas.
Qualquer esforço para criar condições que oxigenem a atmosfera e reduzam os reflexos da forte incidência solar sempre são bem vindos. Seria interessante saber quantos parques arborizados existem na sede do Município, para refrigério de seus habitantes. Isso deveria fazer parte da política urbana do município, no sentido de adotar medidas para organizar os espaços habitáveis, em busca da unidade e da simbiose fundamentais do homem e da natureza , de modo a propiciar melhores condições de vida à coletividade. Entenda-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação, recreação.
O ordenamento urbanístico, matéria de direito público, ao contrário das limitações civis, como as restrições de vizinhança, protegem a coletividade na sua amplitude, sem privilegiar segmento algum.
As limitações urbanísticas são de competência simultânea, concorrente, da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, I, da CF), cabendo ao Município competência supletiva e, também, exclusiva (incs. II e VIII, do art. 30, da CF).
A política de controle do solo urbano e a implementação de uma política de assentamento racional, justo, ordenado, do homem na cidade se impõem, para salvá-los, seja o homem, seja a cidade, enquanto habitante e espaço habitável.
Neste contexto, o Município exerce papel importante, posto que lhe cabe executar a política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (art. 182, da CF).
A Lei Orgânica do Município de Rolândia, em seu art. 244, reproduz o art. 225, daConstituição da República, dispondo que se impõe ao Município e à coletividade o dever de defender o meio-ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.
O referido dispositivo, no inc. III, dispõe que cabe ao Poder Público municipal, com a participação da comunidade, estabelecer a política municipal do meio ambiente, através de lei específica. E, no inc. V, impõe que lhe cabe preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (fls. 23).
A Constituição da República, no art. 29, incs. XII, dispõe que as associações representativas da comunidade cooperarão no planejamento municipal, o que implica em sua participarão quando da elaboração do Plano Diretor, que é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, § 1º, da CF), além de abrir oportunidade de iniciativa de projeto de lei à população (art. 29, inc. XIII, da CF). É no Plano Diretor que se estabelecem as normas de desenvolvimento urbano, o zoneamento, as áreas verdes e o sistema viário. Essa participação comunitária, prevista na Constituição Federal, como se viu, foi recepcionada pela legislação municipal (inc. III, do art. 244).
A Constituição da República, em seu art. 23, inc. VII, dispõe ainda que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (VII) preservar as florestas, a fauna e a flora.
A Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), a seu turno, no § único, do art. 3º, dispõe que não será permitido o parcelamento do solo: (V) Em áreas de preservação ecológica....
Trata-se de vedação absoluta. As áreas de preservação ecológica são as assim determinadas pelas entidades competentes, com a finalidade de manter indene as características naturais que possuem e garantir ou preservar a flora e a fauna nelas existentes. Entendo que o MUNICÍPIO DE ROLÂNDIA selecionou a área objeto da lide, como sendo de preservação ecológica, ao incluí-la na Zona especial, como definido no Código de Zoneamento (Lei nº 1.785). Dada esta finalidade, não poderia lei posterior, que modifica substancialmente a política municipal do meio ambiente, autorizar a unificação dos lotes, para permitir o seu parcelamento, incorporando-os na Zona residencial, sem que do processo legislativo houvessem participado órgãos representativos da comunidade.
O processo de elaboração da Lei nº 2.384/94, portanto, ao procurar modificar o estatuto do meio-ambiente, previsto na Lei Orgânica Municipal e no Código de Zoneamento, não atendeu ao contido no inc. XII, do art. 29, da Constituição da República, que fora recepcionado pela legislação municipal (art. 244, III, da Lei Orgânica).
Para além disto, violou também o inc. VII, do art. 23, da Carta Magna, ao não fazer a preservação de árvores florestais.
Finalmente, em face da hierarquia das leis, conflitou também com o § único, do art. 23, da Lei nº 6.766, que proíbe o parcelamento do solo, em áreas de preservação ecológica.
As normas constitucionais protectivas do meio ambiente refletem a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar e de priorizar todas as formas de tutela que o ordenamento jurídico possa oferecer.
Embora os demais direitos individuais, como o de propriedade, devam também ser respeitados, não podem prevalecer sobre a tutela da qualidade do meio ambiente, instrumento que visa proteger valor maior: a qualidade da vida humana.
Como bem resume JOSÉ AFONSO DA SILVA, a Constituição toma consciência de que a qualidade do meio ambiente se transforma num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornara num imperativo do Poder Público, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições do seu desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida (grifei, Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª ed., pág. 709 S. Paulo : RT, 1990).
4. Se ao Poder Judiciário não compete revogar uma lei tida como inconstitucional, pode não obstante recusar a sua aplicação.
Eis, a propósito, a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
Mas o juiz não tem a faculdade de revogar a lei. Ao Poder Judiciário compete a sua aplicação e, inversamente, a recusa desta, por inconstitucionalidade. Daí o decreto judicial de inconstitucionalidade não significar anulação do dispositivo legal, porém, a sua inaplicabilidade ao caso de espécie: naquele litígio em que foi levantada a questão, a lei inconstitucional é recusada, e tantas vezes será decidida a questão, quantas vier a mesma argüição à justiça (Instituições de Direito Civil, vol. I, pág. 193, 5ª ed. Rio: Forense, 1978).
Não se pode reconhecer validade à Lei Municipal nº 2.384/94, na medida em que afronta os princípios constitucionais acima citados.
E, ante a superioridade dos dispositivos constitucionais sobre as demais normas, que precisam ser conformes a eles, a inconstitucionalidade torna nulas as normas da referida Lei nº 2.384/94. Apesar de entrarem no sistema, tais normas são nulas no sentido de que seus efeitos, no caso concreto, devem ser desconsiderados desde o instante em que iniciaram a sua vigência, sendo-lhes a aptidão para produzir efeitos negada ex tunc.
O Judiciário, repita-se, não revoga a lei inconstitucional ou ilegal, apenas nega-lhe a aplicabilidade, declarando-a ineficaz em cada caso concreto sub judice (cf. MARIA HELENA DINIZ, Norma constitucional e seus efeitos, pág. 137, 2ª ed. S. Paulo : Saraiva, 1992).
Declarada a ineficácia da Lei nº 2.394/94 em relação ao caso concreto, a conseqüência imediata é a de continuar em vigor os dispositivos da Lei Municipal nº1.785, que dispõem sobre a Zona especial ( Zona Verde).
Diante do exposto a Câmara decide por unanimidade de votos prover o recurso e inverter os ônus da sucumbência, nos termos da parte dispositiva do acórdão.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores DARCY NASSER DE MELO, Presidente com voto e ÂNGELO ZATTAR, revisor e SIDNEY MORA.
Curitiba, 22 de dezembro de 1999.
MUNIR KARAM - Relator
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