sábado, 1 de agosto de 2015

LEMBRANÇAS DOS TEMPOS ÁUREOS DO CAFÉ NO PARANÁ

GAZETA DO POVO

João Dantas, em terreiro de café: ele mudou para a cidade em tempo de ver o grande movimento provocado pela produção cafeeira e hoje fala com saudades daquele tempo
TERRA VERMELHA

Vivendo à sombra do passado glorioso

Um ar de saudosismo impera em Nova Esperança, cidade do Noroeste que, no ápice da produção do café, chegou a ter uma das maiores arrecadações per capita do país. Mas o município não ficou parado no tempo

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Nova Esperança - Passado e presente parecem caminhar lado a lado em Nova Esperança, no Noroeste do Paraná. Apesar das ruas centrais movimentadas, das construções modernas e da diversidade de estabelecimentos comerciais, a cidade com cerca de 26 mil habitantes mantém um certo saudosismo no ar. Entre moradores mais antigos, são comuns as recordações das décadas de 1960 e 70, ápice da produção de café no estado, quando o município teve uma economia das mais pujantes e foi cotado para ser um dos polos de desenvolvimento da região.
Há quem diga que nessa época Nova Esperança chegou a ter uma das maiores arrecadações per capita de todo o território nacional. Se não há registros oficiais, um indicativo dessa riqueza é a existência de um aeroporto na cidade, que recebia e de onde partiam aeronaves de agricultores. Até mesmo linhas aéreas regulares chegaram a operar no local. Hoje, os próprios moradores têm dificuldade em indicar onde ficava a pista, tomada por áreas de pasto e plantio.
A história de Nova Esperança ilustra o processo de formação da região Noroeste, onde dezenas de cidades se desenvolveram a partir da economia cafeeira. Sua colonização teve início no final da década de 40, quando pessoas de diferentes regiões do país chegaram ao povoado a fim de iniciar uma nova vida. Elevado à categoria de município em 1951, abrigou nos anos seguintes grandes produtores de café, que trouxeram riqueza à cidade e a transformaram em um agitado centro urbano.
“Isso aqui era um movimento tremendo, gente que chegava com montes de dinheiro e distribuía pelo comércio. Hoje a cidade até que tem se desenvolvido, mas nada que se compare à época do café”, relembra, na principal praça de Nova Esperança, João Dantas de Freitas. Proprietário de um comércio no distrito de Barão de Lucena, na zona rural, ele conta que chegou à cidade vindo do interior paulista em meados da década de 70. Desem­­barcou a tempo de presenciar os últimos anos de glória da produção cafeeira, que a partir de 1975 entrou em declínio por causa das fortes geadas.
É em "Barão", como chamam seus moradores, que João Dan­­tas mostra os poucos resquícios ainda preservados daquele período. Em um passeio pela localidade, aponta as fazendas que, de acordo com ele, estavam entre as maiores produtoras de café da região. Hoje, a maioria dessas terras deu lugar ao pasto para criação de animais. “Quando acabou o café muita gente que morava aqui foi embora. Essa região tinha várias casas, mas foram todas derrubadas”, relata.
Entre os que permaneceram na região, a solução encontrada foi partir para outras atividades. João Soares foi produtor de café por muitos anos, mas hoje o que resta em sua propriedade são apenas alguns pés e o terreiro onde o produto era secado. “O café não volta mais. Quem plantava está velho demais e os filhos já seguiram para outros ramos”, avalia o produtor, que, a exemplo da maioria dos antigos cafeicultores, também destina grande parte de sua propriedade para o pasto.
Município diversificou atividades
Diferentemente de outros mu­­nicípios da região Noroeste, que viram suas economias entrarem em declínio após a derrocada da cultura do café, Nova Esperança conseguiu manter um ritmo de desenvolvimento. Um dos responsáveis por essa recuperação foi a cultura do bicho-da-seda, intensificada na década de 80. Apesar de a sericicultura também já não ter o mesmo espaço daquele período, a cidade ainda preserva o título de Capital Nacional da Seda.
Outra iniciativa dos agricultores de Nova Esperança foi diversificar a produção agrícola, apostando em culturas como as de laranja, uva e mandioca. Mais recentemente, a cidade reforçou o processo de industrialização com a destinação dos barracões que armazenavam café para novos empreendimentos. Dessa forma o município conseguiu reverter o êxodo populacional, vendo o número de habitantes passar de 23,9 mil em 1980 para 26,6 mil em 2010.
Em muitas cidades da região é comum ouvir relatos sobre a decadência enfrentada após o declínio da produção cafeeira. A poucos quilômetros de Nova Esperança está Atalaia, que, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem 3,9 mil habitantes. “Na época do café a cidade chegou a ter 15 mil habitantes. Hoje não há muitas perspectivas para quem vive aqui”, aponta o cartorário José Roberto Roveri, nascido e criado no mu­­nicípio. A economia local ainda é fundamentada na agropecuária, mas com resultados bem inferiores aos do café.
Cinema marcou uma época
Uma parte do passado de glória de Nova Esperança permanece preservada no centro da cidade. Até 25 anos atrás, a imponente construção onde hoje funciona uma loja de ferragens recebia grandes plateias em busca de diversão. Era o Cine Nova Esperança, uma sala de cinema com 1,3 mil lugares, todos ocupados em muitas tardes de domingo.
Na rua atrás do antigo cinema ainda reside e trabalha Edemar Del Grossi, filho do empresário que inaugurou a sala em 1956. Já falecido, Santo Del Grossi comandava com os irmãos uma rede de cinemas com atuação em vários municípios da região Noroeste, como Paranavaí, Astorga e Colorado. “No auge do café nossa família comprou várias propriedades apenas com o dinheiro do cinema. Era um lucro fabuloso”, conta Edemar, atualmente proprietário de um jornal na cidade.
Trabalhando como exibidor, porteiro, varredor e bilheteiro, ele acompanhou a intensa movimentação da época. Aos domingos eram quatro sessões, sempre com casa cheia. “A fila do­­brava a quadra. Depois da geada, o café entrou em declínio e muita gente saiu da cidade. Para nós foi ruim também, pois caiu o público e as pessoas perderam o costume de ir ao cinema.” Com isso, o prédio foi vendido à Prefeitura na década de 80 e, posteriormente, renegociado com uma rede de lojas.
Edemar ainda guarda lembranças materiais do antigo cinema. Entre os rolos de filme ainda preservados estão A Paixão de Cristo, um dos maiores sucessos de público da época, e cinejornais. Já o projetor que exibia os filmes está em um centro cultural, no município vizinho de Floraí.

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